Patrono do Agrupamento

Manuel Teixeira Gomes foi um esteta. Fruia a vida sem constrangimentos. Amava com a mesma intensidade a Natureza, a Arte e a Vida. Passou grande parte da sua vida em viagem, sozinho, deslumbrando-se com paisagens,  visitando museus e catedrais com a lentidão que lhe permitia demorar-se em êxtase perante uma escultura grega, uma pintura flamenga, o pôr do sol ou  o luar. Nascido em Portimão, em 27 de Maio de 1860, numa casa com janela para o rio Arade, cedo apreendeu a beleza do azul  do mar do Algarve. O movimento dos veleiros e dos vapores que demandavam o porto era um permanente desafio à viagem, forma sublime de percorrer o mundo próximo até às costas da Ásia Menor.

Descendente de homens familiarizados com os países do Norte – França, Bélgica, Holanda e Inglaterra, foi criado num ambiente cultural cosmopolita. A cultura francesa chegava regularmente a sua casa através das gravuras de Doré e da Illustration Française. A atmosfera muçulmana alimentada pelo imaginário popular e pelas Mil e Uma Noites que sua prima Maria Bárbara lhe lia, em criança, seduziu-o e fê-lo viajante nómada em terras da moirama.

A educação em casa dos pais completou-a num colégio particular em Portimão, frequentado pelas elites locais, e no Seminário de Coimbra. A cultura clássica, a filosofia, a literatura e a arte moldaram-lhe uma sensibilidade rara para a estética e para a interiorização do mundo cuja legibilidade o tornou um homem singular. Não cursou Medicina, contrariando a vontade dos pais, preferiu a boémia literária nos cafés e ciírculos culturais de Lisboa e do Porto. Relacionou-se com pintores, escritores, jornalistas e futuros políticos republicanos cuja ideologia já adquirira no berço.

José Libânio Gomes, seu pai, era um abastado comerciante com recursos bastantes para garantir uma boa formação aos seus quatro filhos.  O espírito independente do filho mais velho e a recusa do academismo obrigou-o a intervir no seu futuro, exigindo o regresso a casa. Com pouco mais de vinte anos, desolado, desterrado no «buraco do mundo», Manuel Teixeira Gomes procurou lenitivo para o seu isolamento na contemplação das paisagens, na leitura, na escrita e na viagem. Viagens de negócios para os países frios e sombrios do Norte, viagens de ócio para o Sul luminoso – Andaluzia, Catalunha, Norte de África, Itália, Grécia, Ásia Menor:

Montei a vida de forma que, na região compreendida pelo Norte de França, a Bélgica, e a Holanda, onde vendia os produtos do Algarve, levava quatro ou cinco meses; ia a casa liquidar contas, e depois nos cinco ou seis meses restantes, livre e despreocupado, metia-me no Mediterrâneo, cujas costas visitei por assim dizer passo a passo. (Carta a João de Barros, Tunes, 20.4.1927, Miscelânea).

Em 1910, muitos dos seus amigos, companheiros do Seminário ou da boémia lisboeta e portuense, envolveram-se na revolução republicana. Ele estava em Portimão e logo foi chamado para servir a República. Ministro plenipotenciário em Londres, por nomeação de Bernardino Machado em 1911, teve uma acção decisiva no reconhecimento do novo regime republicano pela monarquia britânica e na participação de Portugal na 1ª Guerra Mundial, ao abrigo da aliança luso-britânica. Chefiou a delegação portuguesa à Sociedade das Nações (1922) que o elegeu vice-presidente. Em 5 de Outubro de 1923 tomou posse como 7º presidente da República Portuguesa, cargo que desempenhou até 11 de Dezembro de 1925. Renunciou ao cargo que desempenhara com ética e fidelidade às instituições democráticas, incapaz de resolver as gravíssimas dissenções políticas que minavam a vida parlamentar e impediam a governabilidade do país.

Partiu para o exílio e nunca mais voltou. Viajante nómada, recuperou a liberdade que perdera nos últimos 15 anos ao serviço da República. Revisitou todos os lugares que conhecera até 1910. A sua terra de eleição era Florença, mas o governo fascista criara um ambiente hostil à pura e descontraída fruição da arte. Optou por ficar no Magrebe, repartindo-se entre a Argélia e a Tunísia donde facilmente ia a Paris, cidade emblemática da cultura que o moldara.

Era doente do coração, fruto da escarlatina que tivera na infância, e sofria de um glaucoma congénito que lhe provocava cegueira progressiva. Adoeceu em Bougie, cidadezinha na costa argelina que lhe lembrava Sintra pelo recorte das montanhas da Kabília e Portimão, pelo mar fronteiro. Em 5 de Setembro de 1931, instalou-se no Hotel Étoile e o quarto nº 13 foi a sua casa durante uma década. Morreu, em 18 de Outubro de 1941, sem nunca mais ter visto a família.

A escrita era o elo de ligação com o seu país. Dominado pela «febre epistolar», escreveu milhares de cartas, correspondendo-se regularmente com mais de setenta pessoas, quase todas ligadas ao  mundo das artes e das letras, como Jaime Cortesão, António Sérgio, João de Barros, Columbano Bordalo Pinheiro e todo o grupo da Seara Nova. Do exílio, geriu a reedição das suas primeiras  obras e a edição de seis novos livros: Cartas a Columbano (1932), Novelas eróticas(1934), Miscelânea (1937), Maria Adelaide (1938) e Carnaval Literário(1939). Londres Maravilhosa seria publicada em 1942, um ano após a sua morte, graças ao seu amigo Castelo Branco Chaves.

Silenciado pela ditadura, que proibiu vários dos seus livros, Manuel Teixeira Gomes é ainda hoje um autor excluído dos programas escolares. Contudo, o reconhecimento do valor da sua obra literária e da riqueza do seu percurso de vida tem merecido o estudo de inúmeros académicos, com destaque para Urbano Tavares Rodrigues e David Mourão Ferreira.

Portimão, 7 de Fevereiro de 2010

Maria da Graça A. Mateus Ventura